Inteligência Artificial Quântica: a próxima fronteira a ser superada?

06/11/2019

O físico britânico Stephen Hawking, que morreu ano passado, é autor de uma frase profética sobre Inteligência Artificial (IA): “O desenvolvimento completo da IA poderia significar o fim da raça humana….ela se desenvolveria por conta própria….os seres humanos, limitados pela evolução biológica, não poderiam competir, e seriam substituídos”. Claro que é impossível saber se a humanidade caminhará para isso, porém avanços recentes no campo da IA provocam reflexões cada vez mais profundas sobre o tema.

Inteligência Artificial não é um assunto novo, ao contrário do que possa parecer. Desde a década de 1970 já começaram a aparecer publicações científicas e pesquisas sobre IA, porém, dois avanços recentes fizeram esse tópico ganhar evidência: a abundância dos dados no mundo digital e avanços no ramo da computação que possibilitaram o desenvolvimento de IA mais avançada a um custo menor.

Termos como reconhecimento de imagem, processamento de linguagem natural, “machine learning”, redes neurais e “deep learning”, que fazem parte do universo de IA, nunca foram tão comentados e também utilizados em interações cada vez mais comuns com o ser humano: num atendimento virtual a clientes por meio de “chatbots”, em reconhecimento facial nas redes sociais, no recebimento de notícias e propagandas personalizadas e outras aplicações.

Os algoritmos de IA se alimentam de dados. Por sua vez, a velocidade e quantidade de dados que são gerados no mundo digital não poderiam ser processados de outra forma que não através do uso de algoritmos automáticos de análise. Apenas como exemplo, em 2019 estima-se que somente em um minuto na Internet os seguintes volumes de dados* são gerados mundialmente:

· 41,6 milhões de mensagens são enviadas por WhatsApp ou Messenger

· 4,5 milhões de vídeos são exibidos no YouTube

· 188 milhões de e-mails são enviados

· 1,4 milhões de visualizações no Tinder

· 3,8 milhões de pesquisas no Google

· 1 milhão de dólares são gastos em compras on-line

Todos esses dados representam uma inestimável oportunidade para geração de negócios pelas empresas. Conhecer o cliente profundamente e ofertar exatamente o que ele quer no momento exato é o que as empresas buscam e os avanços da IA oferecem o ferramental adequado para isso.

A capacidade de processamento dos computadores segue a chamada Lei de Moore, segundo a qual essa capacidade dobra a cada 18 ou 24 meses. Apesar de não se tratar de uma lei física, e sim de uma observação da realidade, essa relação de crescimento da capacidade computacional tem se aplicado na prática desde os anos 1970. O aumento da capacidade computacional possibilita que o gigantesco volume de dados do mundo digital continue sendo processado eficientemente por algoritmos de IA.

No último dia 23.10.2019, a conceituada revista científica Nature publicou um artigo que representa um marco no mundo da computação. Segundo experimentos conduzidos e publicados, o Google anunciou ter atingido a Supremacia Quântica, conceito que caracteriza o momento quando um computador quântico supera o computador clássico em sua capacidade de processamento. O desenvolvimento da IA utilizando computação quântica pode estar ainda alguns anos no futuro, porém representa uma quebra de paradigma e um salto ainda pouco compreendido na capacidade das máquinas “raciocinarem”.

Enquanto um computador clássico utiliza um sistema binário (0 ou 1, ligado ou desligado) para representar internamente qualquer informação dentro dos bits (unidade básica de processamento de um computador clássico), um qubit, ou quantum bit, obedece ao princípio da sobreposição quântica, segundo o qual o estado desse qubit pode ser simultaneamente 0 e 1 até o momento de sua leitura. Esse e outros princípios da física quântica, como o entrelaçamento de qubits, fazem com que os computadores quânticos funcionem de forma completamente diferente dos computadores clássicos. Não é correto pensar que um computador quântico seria simplesmente um computador clássico mais rápido. Muitas vezes, as leis que regem o funcionamento desses qubits são difíceis de entender, isso porque não estamos acostumados a racionar desse modo. Entretanto, algumas analogias ajudam a entender as diferenças entre essas tecnologias de computação: por exemplo, se programarmos um computador clássico para encontrar uma certa palavra em todos os livros do mundo, ele fará essa busca de forma sequencial, livro por livro. Um computador quântico poderia fazer essa busca de forma simultânea em todos os livros.

O computador quântico utilizado pelo Google para provar a Supremacia Quântica possui apenas 53 qubits. A cada qubit adicionado, a capacidade de processamento aumenta exponencialmente (2n), onde n é o número de qubits. Mesmo com esse número limitado de qubits, o computador em questão consegue operar simultaneamente em uma dimensão de 253 (ou 1016) estados. Como analogia, isso quer dizer que esse computador pode avaliar cerca de 10.000.000.000.000.000 de estados de forma simultânea. Se a Lei de Moore também se aplicar aqui, poderíamos dobrar esse número de qubits a cada dois anos. São números humanamente impossíveis de se imaginar.

Existem ainda dificuldades práticas para a evolução da computação quântica, como por exemplo a obtenção de materiais utilizados para construção de qubits: os supercondutores. Outra dificuldade é que para obter as propriedades quânticas o processamento tem que ser realizado a temperaturas extremamente baixas, próximas a zero graus Kelvin, o que é mais frio que o espaço sideral. Além disso, o processamento quântico é muito sensível a interferências externas que geram o chamado erro quântico de processamento. Estas e outras dificuldades devem ser resolvidas para que essa tecnologia possa evoluir. Poderíamos dizer que a computação quântica hoje em dia está num estágio análogo ao da computação clássica nos anos 1950, quando um computador precisava de uma sala enorme para ser montado. Hoje, milhares daqueles computadores cabem no chip de um celular.

Os benefícios da computação quântica, quando plenamente desenvolvida, representarão também um enorme avanço para a humanidade. Para citar um exemplo, qualquer medicamento para a cura de qualquer doença poderia potencialmente ser obtido, além do desenvolvimento da medicina individualizada, onde tanto medicamentos como terapias seriam desenvolvidos unicamente para cada indivíduo. Isso não seria possível com um computador clássico, mesmo que sua capacidade de processamento continue aumentando. Outras aplicações dizem respeito a simulações extremamente complexas, como a previsão do tempo ou tráfico num país inteiro, análise de cenários também supercomplexos utilizados em finanças, síntese de novos materiais através da simulação de ligações atômicas e moleculares, entre outras.

No campo da IA teríamos a possibilidade de utilizar a quantidade inimaginável de dados que geramos todos os dias de forma mais eficiente. Poderíamos, por exemplo, controlar todos os meios de transporte de forma simultânea numa cidade ou país, otimizando milhões de deslocamentos e eliminando o problema de tráfego. As possibilidades na verdade são quase infinitas, inclusive a criação autônoma de robôs inteligentes através de outras máquinas inteligentes, talvez cumprindo a profecia de Stephen Hawking, mas na verdade poucos conseguem antecipar como seria essa evolução, assim como poucos homens dos anos 1950 ou 1960 conseguiram antever os avanços que hoje já conquistamos.

*Daniel Arraes é diretor de desenvolvimento de negócios da FICO para América Latina

Fonte: CIO

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