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Inteligência Artificial: 4 ondas de evolução
28/12/2018
Li e reli o excelente livro de Kai-Fu Lee, “AI Super-powers: China, Silicon Valley and the New World Order”. Fica claro para mim que a China será indiscutivelmente a líder em IA em no máximo uma década, suplantando os EUA. Um interessante exemplo do que eles já estão fazendo pode ser visto no vídeo de 30 segundos onde uma startups chinesa, a iFlyTek, mostra trechos de discursos de Trump e Obama, convertendo sua fala em mandarim. Se quisermos saber para onde a IA está evoluindo, temos que ter a China no radar.
O livro aborda uma tese interessante, que analisa a evolução da IA sob a ótica de 4 ondas: “Internet AI”, “Business AI”, “Perception AI” e “Autonomous AI”. Cada onda alavanca a evolução da IA e provoca rupturas em setores de negócio. Recentemente, o pesquisador de IA Andrew Ng disse que “IA é a nova eletricidade”. Há cerca de um século, começamos a eletrificar o mundo através da revolução da eletricidade. Substituindo máquinas a vapor por máquinas que usam eletricidade, transformamos o transporte, a fabricação, a agricultura, a saúde e praticamente toda a sociedade. Agora, a IA está no seu ponto de inflexão, iniciando uma transformação igualmente dramática na sociedade.
A primeira onda, “Internet AI”, já faz parte do nosso dia a dia. Um exemplo são os algoritmos de recomendação que impulsionam negócios como Google, Netflix, Amazon e Alibaba. Esta onda permitiu a criação de negócios inteiramente digitais e ampliados pela IA. O Google é uma empresa 100% de IA. A IA está no cerne de tudo que faz. Uma Amazon ou Alibaba dependem de IA para que seus negócios fluam. Idem para Netflix. Sem algoritmos de IA não teriam chegado ao valor de mercado que alcançaram, com uma Amazon batendo o trilhão de dólares e a Netflix se equiparando a uma Disney.
Um exemplo de como opera uma empresa “AI-driven” pode ser vista no artigo “Alibaba e o futuro dos negócios”. A Alibaba, é uma empresa nativa digital e teve a vantagem de nascer e estar pronta para receber dados, por isso sua transformação para “AI-driven” é bastante natural.
Agora que as empresas “Internet AI” provaram que o modelo funciona e estão transformando a velha economia industrial, é hora de todas as outras empresas, as não nativas digitais, entenderem e aplicarem essa nova lógica de negócio. Isso pode parecer tecnologicamente intimidador, mas está se tornando cada vez mais viável. A junção da IA com a computação em nuvem tornou acessível a qualquer pessoa a computação em larga escala e as capacidades analíticas. De fato, o custo do armazenamento e do processamento de grandes quantidades de dados caiu drasticamente na última década. Isso significa que aplicações de Machine Learning em tempo real agora são possíveis e acessíveis em um número cada vez maior de ambientes. Conforme as inovações em IA se acumularem nas próximas décadas, serão vencedoras as empresas que se tornarem mais inteligentes do que as concorrentes. Isso no leva para a segunda onda.
“Business AI” é a entrada da IA nas empresas já existentes, que dispõem de um ativo fantástico: dados! Empresas como seguradoras e bancos acumulam dados há dezenas de anos e agora estão descobrindo que estavam sentadas em cima de um imenso campo de petróleo, não aproveitado. Surgiram iniciativas de empresas como a IBM, com Watson e, mais recentemente, a Element AI, canadense (no Brasil, um exemplo é a e DataH), que fornecem algoritmos para as empresas varrerem seus dados em busca de otimizações.
A IA permite a criação de empresas inteligentes, que usam tecnologias de IA, para alavancar dados de forma eficiente e em tempo real. Veremos que para se manterem no ambiente de negócios, extremamente veloz e volátil do século 21, as empresas terão que mudar seu modelo de gestão e organização, com a maioria das decisões operacionais sendo tomada por máquinas, permitindo que se adaptem de forma dinâmica e rápida às mudanças nas condições do mercado e às preferências dos clientes. Afinal, estão lutando contra empresas ou startups que nasceram digitais.
Este dinamismo bate de frente com o paradigma da sociedade industrial que privilegiava a estabilidade. Isso significa uma mudança de paradigma. Nos negócios inteligentes, todas as atividades, e não apenas a gestão de conhecimento e o relacionamento com o cliente, são configuradas por meio de software, de modo que as decisões que as afetam possam ser também configuradas. Isso implica que um modelo padrão de eficiência (adquirir um ERP) deixa de ser verdade. Estes software tradicionais tornam os processos e os fluxos de decisão mais rígidos e, muitas vezes, viram camisa de força. Em contraste, a lógica dominante para negócios inteligentes é a reatividade em tempo real. O ERP passa a ser uma âncora que segura o dinamismo na empresa. O ERP tradicional começa a ser substituído por módulos que representam os workflows e que operam em cooperação através de APIs. Mudou um processo ou workflow? Altere-o, e continue operando sem afetar os demais. Ainda estamos engatinhando nesta fase, com poucas empresas tradicionais se engajando de verdade em IA.
A terceira onda, “Perception AI”, aumenta a potencialidade da IA dando aos sistemas condições de perceberem o mundo à sua volta, reconhecendo imagens e sons. O rápido desenvolvimento da tecnologia da Internet das Coisas digitalizará ainda mais o nosso ambiente físico, fornecendo mais e mais dados. É caracterizada, portanto, pela convergência entre a IA e a Internet das Coisas, destruindo as fronteiras entre o mundo digital e o offline. Deixamos o “O2O”, ou seja, o “online to offline”, para entramos no “OMO”, ou “online-merge-offline”. Um exemplo é o Echo, da Amazon, que interage naturalmente com o consumidor. Em breve, os pedidos que atende serão entregues via drones.
A quarta onde, “Autonomous AI” pode ser simbolizada pelos veículos autônomos. A onda de choque provocada pelos veículos autônomos não mudará apenas a indústria automotiva, mas diversas outras, que à primeira vista parecem imunes à esta disrupção. É instigante ler o texto “33 Industries Other Than Auto That Driverless Cars Could Turn Upside Down”. Entre as industrias provavelmente a serem afetadas está a de fast food! 70% das vendas do McDonald’s nos EUA vêm através das lojas drive-thru, o que pode tornar a empresa e as demais empresas de fast-food extremamente vulneráveis em um mundo com veículos autônomos, sem motorista. Nos carros autônomos, as pessoas podem simplesmente inserir as coordenadas de seu destino, reduzindo a chance de desvio para uma compra de alimentos, que geralmente ocorre por impulso. Paradas para comer algo serão determinadas mais por escolha, humor e qualidade e menos por conveniência.
O ciclo evolutivo da IA segue seu ritmo, em velocidade acelerada. Creio que está cada vez mais nítido que IA não é modismo. É, sem dúvida, a tecnologia mais disruptiva no horizonte.
Os executivos devem entender que este será o futuro e definir como sua empresa e seu setor evoluirá em resposta às mudanças sociais, econômicas e tecnológicas provocadas pela adoção da IA em larga escala. Precisam ter senso de urgência e definir os rumos da empresa em um mundo onde a IA será a nova eletricidade. Neste mundo – o dos modelos de negócios inteligentes – os algoritmos de IA assumirão grande parte da responsabilidade pela melhoria incremental, fazendo automaticamente os ajustes que aumentam a eficiência em todo o sistema.
As empresas que ignorarem o poder da IA, e o potencial de transformação dos processos e modelos de negócios que ela possibilita, estarão em considerável desvantagem, à medida que nos movemos rapidamente para um mundo cada vez mais capacitado cognitivamente.
Autor: Cezar Taurion, partner da Kick Ventures e presidente do i2a2, Instituto de Inteligência Artificial Aplicada.
Fonte: CIO.
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